Empresa diz que nova regra para geração solar inviabiliza retorno.
A companhia Faro Energy, com sede em Londres e escritório em São Paulo, avalia cancelar um plano de investimento de R$ 600 milhões para o Brasil nos próximos 18 meses, caso seja aprovada a proposta atual da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para a mudança das regras referentes ao uso de geração solar distribuída no país. De acordo com o principal executivo da empresa no Brasil, Pedro Mateus, a proposta atual elimina o retorno dos projetos e gera insegurança jurídica.
“O plano de investimento de R$ 600 milhões em 18 meses passará para zero, se o texto [proposto pela ANEEL] for mantido como está”, disse Mateus, que participou de evento sobre geração distribuída da Câmara Britânica de Comércio e Industria no Brasil (Britcham), na última semana no Rio.
O executivo acrescentou que a empresa teve uma linha de crédito de R$ 100 milhões recusada por um banco privado no país, devido à incerteza com relação à mudança regulatória.
A Faro Energy possui quase 50 megawatts-pico (MWp) – unidade de potência para fonte solar fotovoltaica – em projetos em operação e construção no país, com investimentos totais da ordem de R$ 200 milhões
Alexei Vivan, sócio do Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Angel Advogados e diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), que participou do encontro promovido pela Britcham, disse que, conceitualmente, a mudança de regra para o segmento faz sentido e já era prevista. A questão, explicou ele, é a dosagem da mudança regulatória e a necessidade de uma definição sobre o assunto para eliminar incertezas jurídicas.
A questão remete à discussão atual na ANEEL sobre o aperfeiçoamento da resolução normativa 482/2012, que definiu as regras para o negócio de geração distribuída (GD) no país. Neste mês, a autarquia prorrogou para até o fim do ano o prazo para o recebimento de contribuições no âmbito da consulta pública aberta sobre o assunto. A expectativa da agência é pública a nova regra no primeiro semestre de 2020.
De acordo com a resolução 482/12, para estimular o setor, os projetos de GD são isentos do pagamento pelo uso da rede de distribuição. Quando a energia gerada pelos painéis fotovoltaicos não é consumida pelo usuário, ela é injetada no sistema. O volume de energia fornecido à rede é descontado da fatura do usuário cobrada pela distribuidora. E o custo do uso da rede é repartido pelos demais consumidores da concessionária de energia,
Ocorre que, com a intensificação de projetos de GD, principalmente de fonte solar fotovoltaica, devido à redução de custo da tecnologia, o subsídio a ser pago pelos demais consumidores tende a se tornar cada vez maior. Diante desse cenário, a ANEEL pretende modificar a regra, fazendo com que os usuários de GD paguem pelo uso da rede de distribuição.
Estudo feito pelo Ministério da Economia prevê que os sistemas de compensação atualmente em vigor custariam ao sistema elétrico brasileiro mais de R$56 bilhões, entre 2020 e 2035. “Em valor presente, seria equivalente a R$ 34 bilhões, suficiente para construir mais de 9 mil creches, ou comprar 180 mil ambulâncias”, afirma a pasta no documento.
Após elaborar cinco alternativas para a mudança das regras para o uso GD no país, a ANEEL propôs para a consulta pública o cenário em que há a maior incidência de cobrança pelo uso da rede de distribuição por parte dos usuários dos painéis fotovoltaicos, o que tem sido motivo de queixas do setor de energia solar.
A proposta da ANEEL prevê ainda que os usuários que já possuem equipamentos solares em suas residências só passem a pagar pela tarifa de uso dos sistemas de distribuição (TUSD) a partir de 2031.
Investidores e usuários do setor solar, no entanto, criticam que o prazo é muito curto e altera a taxa de retorno dos projetos.
Estudo elaborado pela Greenberg, empresa de pesquisa e consultoria especializada no setor, indica que o mercado de GD a energia solar pode perder 50% de seu potencial de crescimento nos próximos cinco anos, caso as mudanças propostas pela ANEEL sejam de fato implementadas. Mesmo considerando que os usuários atuais só passem a pagar pela TUSD a partir de 2031, a Greener indica que eles deixariam de economizar cerca de R$ 7,5 bilhões, na conta de luz.
No encontro da Britcham, participantes comentaram que a ANEEL teria sinalizado com a possibilidade de alterar a data da cobrança dos atuais usuários, para daqui a 25 anos. Segundo Mateus, da Faro, porém, o problema é que não há nenhum documento registrando essa possibilidade até o momento.
A versão preliminar do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2029, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estima que, mesmo com as mudanças regulatórias, a capacidade instalada da geração distribuída passará da marca atual de 1,5 gigawatts (GW) para 11 GW exigindo investimentos da ordem de R$50 bilhões.
FONTE: O Globo – Valor Econômico – Rodrigo Polito